Centenas de pessoas atingidas pela Vale, da Bacia do Paraopeba e da Região da Represa de Três Marias, se reuniram em Belo Horizonte, nesta terça-feira, 13 de maio, para mais uma manifestação pelos direitos violados pela mineradora com o rompimento da barragem em Brumadinho. Desta vez, a mobilização, organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), denunciou a reparação ineficiente dos danos causados pela empresa, seis anos depois do desastre-crime. A programação envolveu marchas pelas ruas da capital e encontros com juízes e representantes das Instituições de Justiça (Defensoria Pública de Minas Gerais, Ministério Público de Minas Gerais e Ministério Público Federal).
O foco do ato foi defender a continuidade do Programa de Transferência de Renda (PTR) e a posterior criação de um Auxílio Financeiro Emergencial, conforme estabelecido pela Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), instituída pela Lei 14.755 de 2023. Além disso, as pessoas atingidas reivindicam participação na gestão dos recursos do Anexo 1.1, parte do Acordo de Reparação relativa aos projetos de demandas das comunidades, e pedem mais transparência na istração do fundo de R$700 milhões destinado às estruturas de apoio na execução do Acordo.
O movimento também denuncia a falta de participação das comunidades prejudicadas nas decisões tomadas pelo Poder Público.
Ao longo do dia, os participantes tiveram encontros com a juíza convocada Maria Dolores Cordovil, da 2ª instância, relatora da ação sobre a criação de um novo Auxílio Emergencial para as pessoas atingidas. Em março, o juiz Murilo de Abreu havia determinado a continuidade do pagamento integral do Programa de Transferência de Renda (PTR) para as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Brumadinho, como parte da reparação acordada entre a mineradora Vale e a Justiça. No entanto, a decisão inicial foi suspensa no dia 24 de abril pela juíza Maria Dolores Cordovil após recurso da Vale.
Participaram da reunião representantes de cada uma das cinco regiões que abarcam os 26 municípios atingidos pela mineradora. Também estiveram presentes integrantes das três Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que acompanham o processo de reparação, além da coordenação estadual do MAB. “Para a gente, que está vivendo na pele todas as consequências do crime da Vale, é muito importante que os representantes da Justiça nos ouçam. Durante a reunião, a juíza me ouviu com atenção. Pude contar pra ela o que representa, pra mim e para o meu povo, o fim do auxílio que recebemos. É justo acabar com ele antes da reparação ter chegado? Como vamos viver? Foi esse o meu questionamento para ela. Contei que moro de favor, que não consigo mais viver de pescaria, e que se tirarem isso da gente agora, não vamos ter nem como comprar os remédios”, explicou Maria Madalena de Chácara do Lago, em Três Marias, uma das participantes da reunião que integra a Comissão Portos de Três Marias.
Ao final, a juíza convocada Maria Dolores Cordovil afirmou que o principal objetivo da reunião era ouvir e compilar as informações necessárias para tomar sua decisão. Também disse que muito do que escutou no encontro era novidade para ela.
Depois do almoço, a mobilização foi rumo à Praça Sete e à Praça da Estação, levando às ruas da capital mineira os cartazes, gritos e cantos por justiça.
No turno da tarde, simultaneamente à marcha, pessoas atingidas, representantes do MAB e das Assessorias Técnicas Independentes participaram de uma reunião com o juiz Murilo Silvio de Abreu para tratar das pautas da manifestação.
Em relação à criação de um novo auxílio financeiro emergencial, o juiz reforçou que fundamentou as suas decisões com base no que está indicado na PNAB e não em uma alteração do Acordo Judicial de Reparação — ou seja, não se trata de uma extensão do PTR, mas da garantia de uma nova medida mitigatória de renda.
Joceli Andrioli, membro da coordenação estadual do MAB, pediu que o povo possa participar da construção desse novo auxílio, inclusive do estabelecimento dos critérios de elegibilidade. Houve concordância pelo juiz, que enfatizou que sempre defendeu a participação das pessoas atingidas e que isso está na lei.
Como houve recurso da Vale sobre esse tema em segunda instância, foi reforçado que não é possível dar andamento ao processo em primeira instância até que haja decisão da juíza convocada Maria Dolores Cordovil.
Essa questão foi muito reforçada pelas pessoas atingidas presentes, que relataram problemas como falta de diálogo com a Fundação Getúlio Vargas, que faz a gestão dos recursos do programa, além de dificuldades com as documentações para comprovação de o ao direito e falhas no pagamento sem justificativa.
Sobre o Anexo 1.1, foram tratados três pontos principais. O primeiro deles foi o pedido que o recurso seja preservado conforme a natureza dele. Isso significa não utilizar o rendimento do valor estabelecido para o Anexo como fonte de custeio das Assessorias Técnicas Independentes que acompanharão o processo, conforme foi homologado pelo juiz a partir de deliberação das Instituições de Justiça. Em resposta, o Dr. Murilo afirmou que preza pelo início imediato das atividades do Anexo 1.1 e que acolheu a alternativa apresentada pelas IJs para que isso acontecesse.
A demanda é que esse custeio das ATIs, previsto em R$ 62 milhões, seja retirado das verbas de “estruturas de apoio”, também previstas no Acordo Judicial. O segundo ponto foi exatamente sobre a transparência em relação ao uso do recurso dessas estruturas, dado que não existe uma prestação de contas sobre como o valor de R$ 700 milhões destinado a elas tem sido utilizado. Sobre esse tema, foi informado que já existe um contrato para que a Ernst & Young faça uma auditoria dos gastos e, caso seja possível, o valor retirado do Anexo seja devolvido (conforme previsto na homologação).
A questão dos critérios de elegibilidade ao programa também foi abordada em relação ao Anexo 1.1. Foi reforçado que eles sejam estabelecidos de maneira que contemple todas as pessoas atingidas e que não crie conflito entre as próprias comunidades. Juliana Melgaço, da Comissão Formosa, de Três Marias, e do grupo auto-organizado Sentinelas, destacou que um trabalho robusto de diagnóstico de danos já foi realizado pelas ATIs, a partir de metodologias da Entidade Gestora (Cáritas) e sugeriu que esse material seja utilizado para embasamento. O juiz disse que irá ler o material, já entregue à entidade gestora dos recursos do Anexo, antes de tomar decisões relativas a esse assunto.
Os representantes do MAB presentes na reunião reforçaram que tanto o auxílio financeiro, hoje na forma do Programa de Transferência de Renda, quanto o direto à Assessoria Técnica Independente são medidas mitigatórias e que a existência delas é importante enquanto a reparação definitiva dos danos causados pelo rompimento da barragem não se consolida. Portanto, é preciso que também que recursos para a execução sejam garantidos, o que foi reconhecido pelo juiz.
No final da tarde, aconteceu uma reunião na sede do Ministério Público de Minas Gerais que teve também a presença de representantes das demais IJs. Nela, o MAB pontuou e questionou o posicionamento das IJs em relação ao PTR e questionou sobre os recursos para os trabalhos das ATIs no desenvolvimento do Anexo 1.1.
Na reunião, as IJs defenderam o Acordo Judicial de Reparação frente às incertezas do Sistema Judiciário, e argumentaram que o PTR cumpriu seu objetivo, sendo necessário, agora, aguardar o fechamento da ação judicial em curso, relativa à possibilidade de um auxílio emergencial como o previsto pela PNAB. As IJs argumentaram que o Acordo Judicial pode não contemplar todos os direitos que as pessoas atingidas merecem, mas busca garantir e efetivar direitos concretos, e não potenciais.
As IJs justificaram que têm o dever e o ônus de tomarem decisões sobre o Acordo Judicial, sendo impossível agradar a todas as centenas de milhares de pessoas atingidas. Ao final o MAB propôs a promoção de rodadas de avaliação da reparação ao longo da bacia do Paraopeba, com o objetivo de amadurecer o caminho para a regulamentação da PNAB.
*Crédito da Imagem: Paulo Marques/Instituto Guaicuy
*Reportagem escrita por Laura de Las Casas e Natalia Ferraz
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